SOBRE
O f.garden é uma associação cultural sem fins lucrativos, sediada no Bairro do Alvito, em Lisboa, entre o vale e a encosta de Monsanto — território marcado por processos de urbanização, migração e resistência comunitária. A sua implantação neste espaço é um gesto simbólico e político: semear onde a cidade se transforma, entre o betão e o verde, reconhecendo nas margens um lugar fértil para o reencontro entre arte, memória e justiça social.
Fundado por Filipa Catarina Nunes Baptista (Tábua, Coimbra, 1982) e Frederico Henrique Moreira de Lima (São Bernardo do Campo, São Paulo, 1986), o f.garden nasce do encontro de duas raízes — uma portuguesa, outra brasileira — que partilham a experiência da construção coletiva e a atenção às formas invisíveis de cuidado, resistência e criação. A travessia de ambos, entre o trabalho social, a cultura e o arquivo, molda a vocação da associação: atuar nos campos da arte, educação, memória, ambiente e intervenção comunitária, promovendo o diálogo entre práticas contemporâneas e saberes populares.
O f.garden inspira-se na Albuca spiralis, planta que se dobra sobre si mesma para recolher força antes de florescer. Esta metáfora guia a associação: compreender o tempo como espiral, onde cada gesto de semear, regar e colher é também um ato de permanência e de transformação.
As suas ações abrangem a produção e a mediação cultural, a formação artística, a criação audiovisual, a investigação em ciências sociais e a preservação de acervos comunitários. São projetos que ligam pessoas e territórios — como a Rede Memória, o COLOR QUEER e o Inquietação — e que refletem uma ética de cuidado e cooperação, valorizando a diversidade, a interculturalidade e a escuta ativa.
Entre o florescer e o resistir, o f.garden afirma-se como um jardim de encontros — um espaço de criação partilhada, de experimentação e de justiça poética, onde a terra e a imagem se tornam matéria de construção de futuro.
Acolher é o primeiro gesto de todas as civilizações.
Antes de existir fronteira, havia encontro.
Antes da escrita, havia partilha.
Antes do nome, havia o rosto do outro.
O f.garden nasce dessa raiz antiga — de mãos que se estendem, de portas que se abrem, de corpos que se aproximam para fazer do tempo um território comum.
Acolher é o contrário do esquecimento: é lembrar com o corpo inteiro.
Vivemos num tempo em que a pressa devora a escuta e o ruído apaga a voz das comunidades.
Mas a terra ainda fala, e nós escutamos.
Escutamos os bairros que resistem, as memórias que se transmitem de boca em boca, as vozes que atravessam oceanos e constroem abrigo em novas margens.
Entre Lisboa e São Bernardo do Campo, entre Tábua e os lugares sem mapa, reconhecemos o fio invisível que une os povos de língua portuguesa — uma história feita de partidas e regressos, de exílios e reencontros, de trabalho, cuidado e reconstrução.
Acolher, para nós, é plantar de novo onde o mundo secou.
É reconstruir o comum no meio da fragmentação.
É afirmar que não há arte sem responsabilidade, nem memória sem corpo, nem futuro sem justiça.
Acolher é também escavar — devolver à superfície o que foi soterrado pelas narrativas do poder.
É cuidar do que resiste: os arquivos esquecidos, os gestos invisíveis, as vidas que a história não quis nomear.
Acolher é abrir espaço para que cada pessoa, cada povo e cada memória reencontrem o seu lugar no solo da dignidade.
Falamos de acolhimento como quem fala de trabalho,
porque acolher é uma prática: requer tempo, suor, escuta, presença e continuidade.
É estar junto, não apenas ajudar.
É construir estruturas que amparem o humano e o não humano — a comunidade, o território, a floresta, o rio, a palavra.
O acolhimento é ecológico, porque reconhece que o planeta é também uma casa partilhada.
É social, porque restitui o direito de existir em voz alta.
É político, porque se opõe à indiferença e ao esquecimento.
Acolher é o ato mais radical de amor e de justiça.
É recusar o isolamento, o aplauso individual, o espetáculo do ego.
É abrir caminho para o coletivo, para a prática comum, para a alegria de fazer parte.
Somos um jardim em construção — feito de raízes que se entrelaçam, de sementes trazidas por ventos diferentes, de flores que não pedem passaporte.
Acolher é o que nos move.
E é também o que queremos devolver ao mundo:
a certeza de que ainda há solo fértil entre nós.